CRESCENDO NA
FAVELA
Parecia uma
tarde normal... sem muita coisa pra fazer a não ser ver o dia passar e cuidar
dos negócios... a venda de drogas.
Tudo
transcorria normalmente quando o aviso dos olheiros chegou:
- os home
tão ai!!!
corre
corre... nervosismo... adrenalina...
o confronto
parecia inevitável... a polícia vinha com ordens expressas de acabar com a bocada.
- que vamo
fazê agora Paulão?
- não sei
direito... ligou pro pessoal? vê ai o que eles querem que faça... liga logo!!!
Quem ia
ligar era Eduardo... o tal que achava que a tarde estava normal.
Correu em
disparada... pegou o celular e acionou o chefe...
- os home
chegaram!!! que que a gente faz?
A resposta
veio fria e seca:
- não deixa
entrar... peita esses gambé... peita legal!!! reforço tá chegando!!!
No meio da
rua o corre corre ia solto...
A população
daquele pedaço de fim de mundo estava apavorada... crianças pra dentro...
ninguém se move... fica todo mundo longe de janelas, portas... se protege pelo
amor de Deus!!!.
As mães
pegaram tudo o que era filho e que podia ir querer ver, colocaram bem
escondidinho... longe o mais possível do perigo.
A polícia
chegou e viu: barricada na rua pra impedir o trânsito, proteção para os
bandidos que os esperavam... os tiros começaram... os policiais se espalharam e
começou o festival de bala... perdida ou encontrada.
Uma delas
encontrou o Eduardo de jeito. Próximo do coração. O garoto caiu quase dois
metros pra trás. Parecia morto. Só parecia. O coração batia mas não era
suficiente.
Quando ele
caiu o Paulão viu que não ia dar pra segurar... mandou todo mundo recolher o
material e caíram fora o mais rápido que puderam... o chefe que se danasse,
depois ele explicava.
A polícia
entrou e dominou.
A ambulância
chegou... Eduardo deu sorte. Estava em coma. Foi direto pra UTI de hospital
público.
- Eduardo de
Camargo Faria... alguém perguntou.
- Esse sou
eu - pensou o Eduardo - mas, onde estou? que lugar é esse? que hospital mais
esquisito...
Um velhinho
se aproximou com a ficha na mão...
- Eduardo? -
perguntou.
- Sim... que
lugar é este aqui?... quem é você?
- Sou o
responsável pela sua estadia neste hospital, não se preocupe que já tomamos as
providências necessárias.
-
Providências? que providências? onde estão os meus companheiros? minha mãe, cadê?
- No momento
não podemos falar muito dos outros... precisamos falar de você.
- Falar de
mim? o que você tem pra falar de mim?
- Muita
coisa... na verdade temos um planejamento e precisamos executá-lo... se você
quiser.
- Que
planejamento... do quê?
- Você não
percebeu nada?
- O que tem
pra perceber?
- Olha pra
mesa...
O susto do
Eduardo foi muito grande... até agora ele não tinha percebido onde estava... e
como estava... percebeu o seu corpo... sendo operado... mas ele estava em outro
lugar vendo tudo... mas estava muito confuso... que história era aquela?
- Meu...
o que é isso? onde eu estou? quem é aquele da mesa... sou eu mesmo?
- É você
sim... e é ai que está o nosso planejamento... você teve a oportunidade de
conviver com bandidos e ser envolvido em muitas situações perigosas para
resistir e continuar no caminho do bem... mas não foi o que você fez...
- E eu tinha
outra escolha? Pensa que é fácil ver tua mãe se matar para colocar comida
dentro de casa e sempre faltar? Pensa que é fácil querer as coisas e não poder
comprar? Pensa que é fácil ver as gatinhas e se tocar que só o carrão é
que atrai? Não sou de ferro não... e quando é que eu falei que ia resistir?
Resistir como? Não sou santo não!!!
- Sabemos
que ninguém é santo... mas sabemos que você podia ter ouvido um pouco mais os
bons conselhos que te deram... as oportunidades de trilhar o caminho do bem que
você teve... os anos na escola que tua mãe te proporcionou...
- Será que
você pensa que a vida é só isso? Um tempo na escola... empreguinho que não paga
bem... não amigo... eu quero dar mais pra minha mãe e pra mim...
- Só tem um
jeito de conseguir as coisas que você quer: manter o compromisso no bem... você
tem aliados...
- Aliados...
só tenho aliados pra fazer o que tô fazendo... os olheiros e o pessoal
que fornece pra eu ganhar minha grana... quando eu for dono de boca ai
sim vou ter muito dinheiro...
- Veja aqui
o futuro que te espera...
Eduardo
olhou numa pequena tela que aquele velhinho tirou do bolso... parecia um desses
aparelhos de dvd portáteis...
O que ele
começou a ver o deixou impressionado... era a mesma sala... a mesma mesa... a
mesma equipe de médicos... estavam desistindo... não conseguiram mantê-lo
vivo...
- Que é
isso... você vai deixar eles me abandonarem assim... sem chance?
- Você teve
todas as chances... optou pelo pior... não podemos deixar você acumular mais
dívidas ainda... é hora de sair de cena...
- Pera ai!!!
Sair de cena?!!! Não!!! Tem jeito de não sair de cena?
- Ah... tem
jeito... o jeito é optar pelo bem... sair da bandidagem... colaborar para o teu
crescimento...
- Mas como é
que pode... já não tá decidido?
- Vai
depender de você... do que você responder... do que você decidir...
- E se eu
não conseguir?
- Você vai
conseguir se ouvir os teus aliados, eles são os teus protetores espirituais...
eles estão sempre por perto... você é que não lhes dá ouvidos...
- Eu não
consigo ouvir...
- Mas
consegue sentir... sinta o teu coração... sinta a tua intuição...ouça os
conselhos de tua mãe... sempre!
Eduardo
ficou pensando... essa conversa durou alguns segundos... mas calaram fundo no
seu íntimo... que fazer? E se não tivesse forças? E se fosse imaginação?
- Não é
imaginação não... respondeu o velhinho.
Eduardo se
assustou... os pensamentos podiam ser lidos... agora é que ele percebeu que a
boca do velhinho não se mexia... mas estava ouvindo tudo...
- Que que eu
tenho que fazer?
- Prestar
atenção nos sinais... seguir a intuição... ouvir os conselhos de tua mãe...
- Simples
assim?
- Simples
assim...
Estava
frio... os olhos foram abrindo lentamente... percebeu o ambiente aos poucos...
mais três leitos... o vulto ao lado tomou forma...
- Duda...
você voltou!!! Que bom meu Deus!!!
- Mãe...
quanto tempo eu tô aqui mãe?
- Tem dez
dias quase... você tava vai não vai... quase perdi a esperança...
- E agora
mãe? O que vou fazer? Eles vão me prender?
- Acho que
vão... foi flagrante... tem sorte de tá vivo... tão
esperando a recuperação pra te prender e julgar...
- Tô
perdido mãe!
- Tem
paciência... tudo se ajeita... vamo cuidá da gente... vamo ficá
junto... quem sabe a coisa não fica tão ruim quanto a gente tá
pensando...
Alguma coisa
lhe dizia para ouvir a mãe desta vez...
- É... vamo
vê o que vai dá.
Eduardo se
recuperou... foi julgado e condenado... era réu primário... 4 anos e 5 meses...
Avaré.
Toda quarta
a mãe de Eduardo o visitava... sem faltar... os amigos a ajudavam... mandavam
mantimentos, roupas... enfim, o que podiam arrumar.
Bom
comportamento... três anos e Eduardo foi solto. Estava limpo de novo.
No dia de ir
pra casa a mãe de Eduardo o estava esperando... no portão de fora...
Eduardo a
abraçou e chorou como criança... não sabia por quê... mas alguma coisa dizia
que desta vez era pra valer...
Saíram os
dois... o Eduardo e dona Júlia, sua mãe.
Do outro
lado seguiam o velhinho e seu Juvenal... o avô desencarnado que o Eduardo não
conhecera...
Espírito: Hilário Silva
Médium:
Manolo Quesada
21/01/2007
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