DE VOLTA PRA CASA
Rufino gostaria de voltar pra casa, não a casa onde ele mora hoje,
pertinho do trabalho... ele gostaria de voltar para a cidade de onde saíra há
tantos anos...
Não que ele não gostasse de onde vive, nem do trabalho, nem da
família... ele gostava e muito... mas tinha saudade... de tudo...
Quando perguntavam do que ele tinha mais saudade ele não sabia dizer...
talvez da infância, da juventude cheia de peripécias, de aventuras...
- Não... não é isso o que queremos saber, isso é muto subjetivo...
respondiam os amigos...
- Ah... ai eu não sei... aqui eu vivo tão bem quanto eu vivia lá...
- Então não sei o que você tá querendo!
- Eu tô querendo é voltar para um ponto na minha vida onde eu me sentia
bem... estava onde eu queria ficar...
- Então porquê você veio pra cá?
- Um monte de coisas... o trabalho principalmente...
- Trabalho tem em todo lugar... você podia ter ficado e continuado no
emprego...
- Ai é que tá... a firma que eu trabalho hoje era lá... eu trabalhava
lá... mas ela resolveu mudar... e ofereceu algumas vantagens que eu precisava
aproveitar...
- Aproveitar porquê? Pra que? Pra ficar desse jeito agora?
- Veja... eu tinha um monte de sonhos... namorava com a Mariana, tinha
vontade de casar, ter filhos, construir uma família, ter uma casa... um lar,
percebe?
- Percebo... mas percebo também que o tempo passou, você conquistou
várias coisas que você queria e agora está infeliz...
- Não é infeliz... eu acho que poderia estar mais feliz...
- Então porque você não volta?
- É mesmo né? vou conversar com todo mundo e ver o que dá pra
fazer...
- Isso mesmo...
O papo acabou...
Rufino chegou em casa... chamou Mariana...
- Mariana, tô pensando em voltar pra casa...
- Pra casa? Que casa? Nossa casa é aqui...
- Não é não... você sabe que eu sinto muita falta da cidade onde
nasci... da turma que deixei lá... dos parentes...
- Rufino, esquece isso... turma você tem é aqui... parente a gente
visita de vez em quando... e tá bom demais...
- Tá bom pra você que não tem ninguém mais... tua família já foi toda
pro outro lado...
- Eu sei... mesmo assim não me sinto só... tenho você, tenho as
crianças...
- Crianças? Que crianças? O mais novo já tem 29 anos...
- Pra mim são sempre crianças...
- Pra você talvez... não pra mim e não pra eles também...
- É... eu sei que exagero de vez em quando... mas você também exagera
com essa coisa de "voltar pra casa"...
- É... acho que exagero... acho também que vou descansar... amanhã é
outro dia.
O sono chegou... Rufino dormiu... sonhou... não lembrava direito no dia
seguinte...
O tempo passou... um ano mais... dois anos mais... dez anos mais...
A rotina de sempre... agora estava aposentado... quase sessenta anos...
os filhos casados... Mariana doente... médico pra cá, médico pra lá... parece
que não acaba isso de médico... pensava Rufino.
Acabou um dia... alguns meses depois Mariana não resistiu e fez a
passagem... os filhos todos voltaram pra casa... acompanharam o sepultamento e
retornaram à vida...
Rufino não sabia o que fazer agora... os filhos pediram que ele fosse
morar com um deles, afinal já estava na hora... estava bem mas precisava ficar
com eles, seria mais seguro... eles ficariam mais tranquilos...
Rufino não quis saber... vou ficar em casa... se um dia resolver volto
pra minha terra e pronto...
A ideia estava amadurecida... seis meses sem Mariana o deixaram mais
flexível... ele concordara em morar com um dos filhos... afinal a cidade era a
mesma de onde ele tinha vindo... ele poderia ver quem estava vivo daquela turma
que fazia tempo que ele não via...
- Vou embora pra casa... disse ao amigo que o ouvia há tantos anos...
- Até que enfim... não aguento mais essa conversa... voltar pra casa...
saudade... saudade de quê? Aquele povo que você conheceu quando era jovem nem
tá mais lá... e os que estiverem nem vão lembrar de você...
- Que é isso? Tá com ciúmes? Eu não vou esquecer de você... eu venho te
ver, só de vez em quando... e você pode ir me visitar sempre que você quiser...
- Eu não tô com ciúmes não... quero mais é que você seja feliz... vai
logo...
Rufino saiu rindo... o amigo era muito especial... uma vida de
amizade... mas alguma coisa dizia que ele estava fazendo a coisa certa... era
chegado o tempo de voltar...
Os imóveis foram vendidos... afinal, precisaria de uma casa nova na
cidade para onde iria... morar com o filho na mesma casa seria muito difícil...
cercearia a liberdade... invasão de privacidade... essas coisas que gente
lúcida ainda tem apesar da idade...
O dinheiro do banco ele transferiria depois... abriria uma nova conta e
transferiria o numerário...
Agora o mais difícil... as despedidas. Apesar da satisfação da mudança
não esquecia que fora recebido naquela cidade como um filho da terra, sem
discriminação, sem bairrismo, com muita consideração e amizade... e sabe como é
cidade pequena... vira tudo uma grande família...
Passagem comprada... ansiedade pela espera... rodoviária vazia... cidade
pequena... não é sempre que tem muita gente na rodoviária... deu tempo de
pensar... na Mariana...
Será que tinha mesmo fundamento esse negócio de vida após a vida? Lá no
centro espírita que ele fora uma ou duas vezes, ouvira sobre isso...
reencarnação...
A preocupação acabou... o ônibus chegou... escolhera viajar à noite pra
descansar e chegar melhor na casa do filho onde ficaria um tempo até comprar a
casa nova... já estava escolhida, era só fechar o negócio...
Poltrona 37... quase no final do ônibus... melhor assim... descansaria
mais...
A viagem começou... saída da cidade... as lembranças ficando pra trás...
a esperança pela frente... apesar da idade...
Acomodou o travesseiro... espichou a poltrona... deitou... fechou os
olhos...
Mariana de novo na lembrança... fora uma vida muito boa ao lado dela...
os filhos... as lutas... as desavenças superadas... os pontos de vista
aplainados... coisa de consenso... ficou com um sorriso nos lábios como se ela
estivesse ali... como se eles pudessem se ver novamente...
O rádio tocava uma música da Elba Ramalho... ele conhecia... dizia
"estou de volta pro meu aconchego, trazendo na mala bastante
saudade..."
Ao som da música adormeceu...
Era madrugada quando o motorista perdeu o controle do veículo... o
ônibus teve um pneu estourado... a confusão foi geral... todos acordaram muito
assustados... o ônibus caíra numa ribanceira à beira da estrada... alguns
estavam acordados outros não...
Rufino tomou pé da situação e socorreu os que pôde... alguns não davam
nem sinal de nada... mas ele achou que aquilo não estava muito de acordo...
ninguém o ouvia... a aparência deles não era a mesma... estavam diferentes...
ele também estava diferente... meio atordoado... cansado mesmo... não lembrava
muito bem do que acontecera... porque alguns não lhe davam atenção? Porque
parecia que não o estavam vendo?
Olhou na poltrona 37... era ele que estava lá... como isso era possível?
Desmaiou...
O sol raiava quando foi acordado...
- Como está, Rufino?
- Estou bem... onde estou?
- Você está em Esperança Nova... uma colônia próxima da Terra... você
foi resgatado no acidente do ônibus, tem mais ou menos uns seis meses...
- Esperança Nova? Colônia? Isso quer dizer o quê?
Uma voz feminina interrompeu o diálogo...
- Isso quer dizer que você voltou pra casa...
Ele olhou e admirou-se com quem estava ali...
- Então é verdade mesmo? Existe vida depois da vida, Mariana?
- Existe sim... agora é tempo de recomeçar...
Espírito: Hilário Silva
Médium: Manolo Quesada
18/03/2007
Que lindo amigo me emocionou muito.
ResponderExcluiroi Ari... muito obrigado!!!
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